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  • Foto do escritorLucas Freitas

A aventura como metáfora para a vida: uma relação de redes opostas.

Desde a infância, as histórias de aventura são apresentadas de diversas maneiras, como em livros, imagens, filmes, séries, dentre outros. Essas narrativas frequentemente são interpretadas como metáforas que podem reproduzir sentido a desafios da vida real, destacando a universalidade das experiências humanas e nossa capacidade de superação (SPINK, 2008). Podemos descrever a vida cotidiana por meio de analogias ou metáforas que são classes de comportamento operante verbal, representados por molduras relacionais (VILLATTE, VILATTE, HAYES, 2016).

 

Assim como um jardineiro molda o crescimento de uma planta, o comportamento operante é moldado por diferentes especificidades, tais como regar, sombrear, podar e proteger contra pragas, visando promover um crescimento saudável (reforço positivo), criar um ambiente confortável (reforço negativo), controlar o crescimento indesejado (punição positiva) e evitar danos causados por pragas (punição negativa). Essas ações influenciam o comportamento da planta da mesma forma que o contexto molda o comportamento dos seres humanos (SKINNER, 1953/MOREIRA, MEDEIROS, 2007). Estes sofisticaram suas interações por meio do comportamento operante verbal.

 

O comportamento operante verbal pode ser comparado à performance de um músico que executa um instrumento. As palavras correspondem às notas musicais, enquanto o ambiente representa o público. Assim como um músico aprende a tocar diferentes notas em resposta às reações do público, o comportamento verbal é influenciado pelas respostas do ambiente: aplausos aumentam a probabilidade de repetir a mesma palavra (reforço positivo), o silêncio alivia o desconforto e pode incentivar repetições (reforço negativo), críticas diminuem a probabilidade (punição positiva), assim como o afastamento do público (punição negativa). Nesse contexto, as pessoas aprendem a associar diferentes estímulos verbais com base em suas respostas e experiências. (SKINNER, 1957, SIDMAN, 1994).

 

Esses estímulos verbais são coordenados a sensações fisiológicas (PEREZ at al, 2013) e podem expressar conceitos como: necessidades, desejos, pensamentos e sentimentos, que em consequências socialmente mediadas, podem se relacionar a conceitos como aprovação, atenção, ou aproximação a objetos desejados. A conexão entre estímulos verbais e contextos específicos desempenha um papel crucial na produção linguística, fortalecendo os padrões de comportamento verbal à medida que são reforçados ao longo do tempo. (PEREZ at al, 2013)

 

Uma comunidade verbal estabelece combinações específicas entre estímulos verbais (VALENTIN, 2022). Um acordo relacional de elementos verbais ou conceitos organizados na interação entre os sujeitos (TÖRNEKE, 2010). Quando João solicita "me dê um copo de água", ele pode ser reforçado ao receber o copo de água ou punido ao permanecer com sede. As consequências determinam se ele repetirá a solicitação. Se ele repete, ele conseguiu a água, se não repete é sinal de que não recebeu a água e que João tende evitar o uso dessa sentença, novamente, neste contexto específico.  


O comportamento verbal, para Sidman (1994), é influenciado por estímulos verbais e governado por contingências de reforço social. Sidman (1994) destacou a formação de relações de equivalência, onde as pessoas aprendem a responder a estímulos verbais de maneira não diretamente ensinada. Essa formação se refere a respostas relacionais aplicadas arbitrariamente que reorganizam o acordo estabelecido pela comunidade verbal por meio de novas relações simbólicas. (PEREZ et al, 2013)

 

As relações simbólicas, segundo Perez et al (2013), são delineadas por meio de molduras relacionais que conferem "forma" às relações verbais, ou seja, descrevem como as relações estão intrinsecamente envolvidas na geração indireta de novos conceitos. Assim, são molduras relacionais que fornecem ocasião para respostas arbitrárias, em primeiro momento, respostas aleatórias, por conseguinte, e transformação do conceito, por fim. (PEREZ, ALMEIDA, ROSE, 2022)

 

Para melhor compreensão das respostas relacionais arbitrariamente aplicadas, no que se refere a história de aventura, o protagonista, por exemplo, decide a se aventurar por uma floresta misteriosa e desconhecida. Sem um destino específico, ele responde de forma arbitrária às relações que encontra pelo caminho, aceitando convites para explorar cavernas escuras, escalar montanhas imponentes e desvendar enigmas antigos. Essa jornada o leva a descobrir não apenas os segredos ocultos da floresta, mas também a explorar os limites de sua própria coragem e determinação.

 

Quando falamos em molduras relacionais, existem inúmeras possibilidades desse tipo de enquadramento. Podemos produzir novos estudos científicos para descobrir mais molduras. Entretanto, quando falamos de jornada de aventura, nos deparamos com molduras de oposição (HAYES, BARNES-HOLMES, ROCHE, 2001). Aprendemos a relação entre “ganhar” e “perder”. Ganhar está associado a reforço positivo e existe uma relação mais próxima a palavras como, triunfo, vencedor, campeão, competente etc.  Perder é aversivo e exerce controle de evitação, por ser relacionado a sentenças como falhar, deixar escapar, desistir, dentre outros.

 

Esses dois termos, “ganhar” e “perder” são opostos e para aprendermos que o sentido de ganhar significa, ganhar, precisamos aprender o que é não ganhar. São relações inversas, conforme Luciano at al (2009), que são aprendidas após treino constante entre as relações que essas sentenças simbolizam por si só atreladas as qualidades conceituais implicadas no inverso.

 

Nas narrativas de aventura, os heróis se lançam em jornadas épicas, atravessando mundos desconhecidos com cada passo determinado por suas ações. Essas narrativas não são meramente contos de aventura, mas sim um emaranhado de relações opostas que permeiam a existência. Bem e mal, frio e quente, amor e ódio - todas essas dualidades se entrelaçam nas histórias, criando um intrincado jogo de forças ou molduras relacionas.

 

Imagine Frodo enfrentando Sauron em "O Senhor dos Anéis" ou Harry Potter confrontando Voldemort em "Harry Potter". Esses heróis representam a luta eterna entre o bem e o mal, e é através de suas ações corajosas que a balança da narrativa oscila. Cada triunfo sobre a adversidade, seja por meio de aplausos do público ou da ressonância do silêncio, molda o destino desses personagens e, por extensão, o curso da história.

 

Essas relações opostas não são apenas temas abstratos, mas sim resistências verbais emolduradas que impulsionam a narrativa adiante. O embate entre o bem e o mal, por exemplo, não só fornece um conflito emocionante, mas também oferece uma reflexão profunda sobre os dilemas morais enfrentados pelos personagens. À medida que os heróis lutam para superar as adversidades, eles não apenas se tornam mais resilientes, mas também mais humanos, refletindo as complexidades do mundo real.

 

Assim, nas histórias, as relações opostas não estão simplesmente descritas; estão intrinsecamente entrelaçadas no tecido da narrativa, moldando o destino dos heróis e a essência das próprias histórias.


REFERÊNCIAS


HAYES, S. C.; BARNES-HOLMES, D.; ROCHE, B. Relational frame theory: A Post- Skinnerian account of human language and cognition. New York: Plenum Press, 2001.

LUCIANO, C. at al. Acquiring the Earliest Relational Operants: Coordination, Distinction, Opposition, Comparison, and Hierarchy., 2009 in Derived Relational Responding. REHFELDT, R. A., BARNES-HOLMES,Y., HAYES, S. 2009. Raincoast Books, Canadian.

MOREIRA, M. B.; MEDEIROS, A. M. Princípios básicos da análise do comportamento. Porto Alegre: Artmed, 2007.

PEREZ, W. F. ALMEIDA, J. H. ROSE, J. C. Teoria das molduras relacionais e pesquisas experimentais: um guia para leitores iniciantes. in PEREZ, W. F. et al. Teoria das molduras relacionais [RFT]. 2022.

PEREZ, W. F. et al. Introdução à Teoria das Molduras Relacionais (Relational Frame Theory): principais conceitos, achados experimentais e possibilidades de aplicação. Perspectivas, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 33-51, 2013. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-35482013000100005&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 07 nov. 2021.

SIDMAN, M. Equivalence relations and behavior: A research story. Boston: Authors Cooperative, 1994.

SKINNER, B. F. Science and human behavior. New York: Free Press, 1953.

_______. Verbal behavior. New York: Appleton-Century- Crofts, 1957.

TÖRNEKE, N. Learning RFT: na introduction to Relational Frame Theory and its clincal application. Oakland: New Hardinger Publications Inc. 2010.

VALENTIM, M.; O modelo filosófico das terapias comportamentais contextuais. Palestra apresentada no II Encontro de Terapia Cognitivo Comportamental do Uniacademia, em Juiz de Fora, 19 mar. 2022.

VILATTE, M.; VILATTE, J. L.; HAYES, S. C. Mastering the clinical conversation - language as intervention. New York: The Guilford Press, 2016.


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